7 de fev. de 2015

Em nome de Alá: atendado contra a liberdade de expressão

    A Europa tem sido alvo de vários atentados, dessa vez em Copenhague na Dinamarca, durante um seminário sobre o tema "Arte, Blasfêmia e liberdade" (Art, blasphème et liberté). Um dos participantes desse evento era o artista sueco  Lars Vilks, que publicou em 2007 uma caricatura de Maomé e, por isso já havia sido vítima de uma tentativa de assassinato. Outras pessoas conhecidas como a lider do movimento feminista Fémen estavam presentes nesse evento.

     A utilização de caricaturas de Maomé criam a indignação da comunidade muçulmana e a ira dos islamista radicais, pois a representação de qualquer ser vivo, principalmente do profeta é para essa um pecado. Certo  diversos estudiosos e historiadores defendem o fato de que no passado vários livros relatando a história do Islã retratavam a figura do profeta. Isso prova que foi ao longo dos anos que este dogma foi se instaurando no centro dessa prática religiosa. Muitos praticantes a respeitam e vêem como um desrespeito o ato de representar o profeta principalmente num contexto satírico. Uma amiga, mulsumana praticante me explicou que em sua religião  não  se deve adorar à ninguém além de Deus. Por isso, a representação de todos os seres vivos é proibida. Isso não a impede porém, como qualquer jovem de nossa geração, de utilizar no dia-à-dia um smart phone e publicar fotos dela e de amigos nas redes sociais.

    Esses tipos de atentados terroristas que ocorreram na França, na Dinamarca, na Bélgica, vão, infelizmente, se tornar cada vez mais frequentes. A dificuldade de prevenir esses crimes é que muitas vezes, esses terroristas agem como "lobos solitários", ou seja radicais que agem de forma isolada e , geralmente, imprevisível. 

    Portanto é devido à essa ameaça constante, à importância da liberdade de expressão e da democracia em nossas vidas, principalmente no ocidente, que decidi abordar esse tema. Inspirei-me de discussões com amigos por aqui na França , e também de tudo o quê tenho lido na imprensa francesa e internacional ao longo desses último meses. Boa leitura!

    Atentado contra a liberdade de expressão



    O atentado contra o jornal Charlie Hebdo teve o intuito de atingir um dos símbolos da República francesa : a liberdade de expressão. Porém, esse valor adquirido graças à Revolução francesa (1789) parece ser estimada por uma grande parte da população ocidental que saiu nas ruas para manifestar contra o assassinato dos caricaturistas.

    Como diz  o provérbio "minha liberdade vai até onde começa a sua" (em francês :"La liberté des uns s'arrête là oú commence celle des autres"). Por um lado, tal preceito nos leva à reflexão: até onde um jornalista pode ir com suas palavras? Eles  não deveriam ter limites? Não deveriam se auto-censurar quando escrevem? Por outro lado, porque não se pode criticar uma religião ou a forma como certos religiosos a praticam? Não seria importante ter a liberdade de praticar a auto-derisão exatamente para permitir a evolução de nossos valores e autoconsciência ? Por que não se pode dessacralizar o sagrado? 


    Talvez essas perguntas sejam somente feitas pelo mundo ocidental, devido à sua história.
    Desde o período medieval a sátira e a carnavalização foram utilizadas pela cultura popular como uma forma catártica, uma liberação. Durante esse evento os papéis eram invertidos e o espaço público era o palco da representação do rei ridicularizado pelo povo. O mundo era colocado as avessas. 

    Além disso, devido ao passado sórdido da Igreja (perseguição dos não católicos; condenação de pensadores que contradiziam os dogmas, etc) muitos ocidentais tendem hoje em dia a criticar os dogmas religiosos e a debaterem alguns valores da Igreja católica que são ultrapassados.


    Enfim, na França a separação do Estado e da Igreja existe há 110 anos. O intuito nacionalista é de unificar o povo, por isso o Estado substitui a Igrega, com seus valores e seus símbolos da republicanos (bandeira, imagem da Marianne, hino, etc).  Por um lado, essa estratégia política pode ser vista como uma manobra de assimilação. Por outro lado, um Estado laico permite à todos de terem o direito de praticarem suas religiões. Isso permite, teoricamente, a coexistência de todas as religiões e a igualdade entre todos os cidadãos independente de suas crenças.


    Porém, os valores laicos não são respeitados pelo partido de extrema direita, Front National, Esse partido ganhou a eleição em várias municipalidades, devido à decepção de muitos eleitores em relação aos partidos de esquerda e direita que não resolveram os problemas causados pela crise econômica. Os estrangeiros tornam-se assim bodes expiatórios. O discurso nacionalista da extrema direita recuso tudo o que não faz parte da história da França e de seu passado católico. Por falar nisso, durante o Natal ano passado, um prefeito de extrema direita causou muita polêmica ao decorar a prefeitura com um presérpio. Ora, a prefeitura representa o Estado e, por isso, deveria expôr nenhum símbolo religioso. 

    Depois dos atentados de Charlie Hebdo e do supermercado Cacher em janeiro 2015, o grafiteiro francês Combo decidiu se manifestar através da sua street art. Através da palavra coexistir (coexist) - escrita com o simbolo das três religiões monoteístas - ele quis trasmitir uma mensagem pacífica. Mas, enquanto pintava um muro em Paris, o artista foi agredido  por três jovens de extrema direita[1] 

    Esse ato de violência demonstra o risco da intolerância de uma parte da população francesa de extrema direita que expressa publicamente seu discurso xenófobo, principalmente em  relação aos muçulmanos. 

    O risco de estigmatização

    O perigo desse momento em que estamos vivendo é exatamente de uma resposta violenta de grupos de extrema direita. Por isso, é importante que as pessoas tenham mais discernimento para evitar a estigmatização  da comunidade mulsumana. Para isso, é preciso fazer a distinção entre Islã e Islamismo. 


    De um lado, o Islã, que em árabe significa "submissão à Deus", é uma religião monoteísta revelada pelo profeta Maomé através do Corão e que prega a paz e a boa conduta. Por outro lado, o Islamismo designa desde 1970 as correntes mais radicais que querem impôr não somente a religião muçulmana, mas também uma ideologia política regida pelas leis rigorosas da chária. 

    Portanto, fica claro que todo islamista é mulsumano, mas que nem todos os mulsumanos são islamistas. Os terroristas que matam e propagam o medo em nome de Alá, na verdade não conhecem a própria religião, que exalta a paz e não a violência. 


    Aliás,  com o intuito de evitar uma confusão entre a religião mulsumana e os radicais islamistas pertencentes aos grupos terroristas, o governo francês decidiu de não mais denominar o Estado Islâmico  (EI) dessa forma. Esse grupo é agora denominado como Daesh[2]

    Muitas vezes, a razão que leva vários jovens à se radicalizarem, tornando- se "Jihadistas" ou seja "soldados" que se sacrificam em nome de Deus (Alah) é a necessidade de criar uma identidade coletiva diferente da identidade nacional que lhe foram imposta pelo Estado francês. Esse conflito encontra-se no centro da problemática do homem contemporâneo, que possui uma identidade fragmentada. Como diz Sílvia no Santiago nossa época reflete o fenômeno do "Cosmopolitismo do pobre", ou seja aqueles que foram colonizados saem da margem para residirem no centro. 


    Esse é o caso da França, onde uma grande parte da população é originária de antigas colônias francesas como a Argélia, Marrocos, entre outros países africanos de maioria muçulmana. Uma grande parte dessas pessoas são a terceira geração da família a viver na França e são de nacionalidade francesa. Porém, sentem-se excluídos e, por isso buscam uma identidade perdida que os façam sentir especiais. A religião torna-se assim um elo entre essas pessoas e a cultura de seus antepassados. Portanto, abraçar uma causa seja talvez uma forma para esses jovens de darem sentido à suas vidas. Além disso, diversos jovens de origem 100% francesa, de classe média alta também acabaram se engajando no islamismo por outras razões, tais como problemas psicológicos, etc. Quanto mais vulneráveis são esses jovens, mais fácil fica de influência-los.


    Islamismo: a emergência de um facismo religioso


    A maioria das vítimas desses grupos terroristas não são ocidentais. Com efeito, as populações mais atingidas pela violência desses grupos estão localizadas no norte do Nigéria, na Síria e no Iraque. Além disso, as vítimas não são somente as minorias religiosas, mas também mulsumanos que não seguem as regras impostas pelos islamistas e praticam um Islã menos radical. Abaixo, um resumo dos principais grupos:

    - Al-Qaida é o grupo terrorista mais conhecido devido, principalmente, ao atendado das Torres gêmeas nos Estados Unido no dia 11 de setembro de 2001. Na época o grupo era dirigido por Osama Ben Laden que foi morto em 2011 no Paquistão durante uma operação secreta planificada pela CIA para capturá-lo. Atualmente, esse grupo está presente em diversas regiões: Norte da Africa, Caucaso, Península Arábica, etc (como demonstra a figura abaixo). Depois da morte de Ben Laden, Al-Qaida passou a ser dirigido por Nasser Al-Wuhayshi, fundador da Al-Quaida na Península Arábica chamada Aqpa. Contudo, esse grupo não detém mais o monopólio das regiões onde age devido à emergência de outros grupos rivais, entre eles o Estado Islâmico.

    - O Estado Islâmico ou Daesh foi criado em 2004 por Abou Bakr Al-Baghdadi, dissidente do grupo Al-Qaida em resposta à intervenção militar americana no Iraque. E se propagou pela Síria e, hoje assume uma oposição contra o governo de Bachar Al Assad. Além disso, esse grupo tornou-se um grande rival da Al-Qaida devido à sua rápida expansão pelos territórios vizinhos : Yémen, Afeganistão, Líbia, Egito, etc. Hoje esse grupo controla um território tão grande como a França. Para quem compreende o francês eu recomendo o documentario de Jérôme Fritel (France, 2014, 52mn) transmitido pelo canal franco-alemão Arte (http://info.arte.tv/fr/daech-naissance-dun-etat-terroriste). Trata-se de um Estado autoproclamado, mas que claro não é reconhecido pela comunidade internacional, essa é uma dessas razões pelas quais o governo francês decidiu  denominar esse grupo Daesh e não mais Estado Islâmico.


    - O grupo  islâmica Boko Haram domina o norte da Nigéria, espalhando o terror nessa região pobre do país. O revoltante é de saber que o Nigéria é um dos países mais ricos do continente africano, graças aos seus recursos minerais, principalmente as jazidas de petróleo localizadas no sul. Contudo, o governo fechou os olhos durante todo esse tempo, praticamente aceitando esse "Estado paralelo" dentro do seu território nacional. A palavra Boko Haram significa "o ensino ocidental é um pecado" e representa um dos principais alvos desse grupo: as crianças, principalmente de sexo feminino, escolarizadas. Quem não se lembra da campanha foi lançada nas redes contra o sequestro de várias meninas? Até a primeira dama dos Estados unidos  , Michele Obama, participou dessa manifestação transmitindo o slogan: "Bring back our girls".  Essas foram sequestradas para serem vendidas como escravas sexuais ou casadas à força! Sim, porque um dos principais recursos financeiros dessa seita  é o tráfico de seres humanos. 













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