Comentário crítico do conto “A flor de vidro” de Murilo Rubião. In O pirotécnico Zacarias, 1974.
Introdução
Precursor do fantástico moderno no Brasil, o escritor mineiro Murilo Rubião ( 1916 – 1991) começou a escrever seus contos nos anos 40. Muitas vezes, sua obra fora comparada à Metamorfose de Kafka (1883-1924) , pois o trabalho de ambos remete ao absurdo e ao estranho: por tratarem de temas essenciais ao homem em sua condição mais absurda e, também, por tratarem do sobrenatural como um elemento real na narrativa , não despertando nenhum questionamento dos personagens diante do fenômeno insólito . Contudo, Murilo Rubião afirma que não sofreu nenhuma influência do escritor tcheco e que fora conhecer o seu trabalho apenas depois de ter escrito metade de sua obra.
Murilo Rubião apresenta um fazer literário singular no contexto da Literatura Brasileira de sua época. Na sua narrativa fantástica o próprio homem contemporâneo e a sociedade tornam-se o enigma a ser eternamente desvendados. Através de seu olhar agnóstico, o homem é descrito como indivíduo solitário, sempre angustiado perante o vazio para onde terá que caminhar e condenado ao enclausuramento final. Seus contos são sempre precedidos por epígrafes bíblicas e suas narrativas estão repletas de figuras de estilo, tais como a metáfora e os símbolos, que levam o leitor à desvendar o texto ideológico inscrito na narrativa fantástica. Dessa forma, através da ficção, o autor transmite sua critica à sociedade, aos dogmas impostos por esta e ao próprio homem moderno. Além disso, a obsessão de Murilo Rubião em aprimorar seus contos faz da própria produção autoral um processo fantástico. Sua obra apresenta na totalidade apenas 33 contos que foram , incansavalmente, reescritos, como o conto que sera estudado neste presente trabalho, « A flor de vidro » publicado pela primeira vez em 1953 no livro A estrela vermelha. Porém, iremos estudá-lo na sua última versão, publicada no livro O Pirotécnico Zacarias em 1974. Ao contrário de outros contos deste livro , em “A flor de vidro” o autor não utiliza a metáfora animal nem a metamorfose, como vemos em “Teleco, o coelhinho”, muito menos a mágica como em “O ex-mágico da Taberna Minhota”. Além disso, ao contrário de alguns contos que tratam da relação desarticulada entre o indivíduo e a sociedade como no conto “A cidade” , em “A flor de vidro” trata-se do indivíduo em conflito consigo mesmo, na sua total incapacidade de relacionar-se ou de comunicar-se com o outro. Ainda, o cenário da estória não é a cidade como nos outros contos, mas um ambiente rural, onde o personagem central , Eronides fica a espera de sua amada Marialice.
Levando-se em conta tais características, propomos estudar a representação da figura feminina e a metáfora da flor de vidro, relacionando esses elementos com o tema central do conto: amor e incomunicabilidade. Em seguida, analisaremos o próprio tema e a estrutura narrativa do conto através da idéia de enclausuramento final , de circularidade e, também, através da epígrafe que introduz a lógica do absurdo no texto.
1. A mulher como objeto de desejo e perdição
1.1 Erotização e reificação
Logo no início da narrativa em terceira pessoa , o narrador onisciente revela os sentimentos nostálgicos do personagem. Eronides sente “saudade” de Marialiace e tenta superar essa “reminiscência amarga” através da memória, buscando, assim, trazê-la para o mundo real e tangível. Esse resgate pela memória do objeto tão amado e desejado é feito metonimicamente pela corporificação dos movimentos de Marialice que “se insinuavam pelos campos – às vezes verdes, também cinzentos” e, também, através de seu sorriso que “brincava na face tosca das mulheres dos colonos, escorria pelo verniz dos móveis, desprendia-se das paredes alvas do casarão” (Rubião, P.43). Portanto, através dos objetos que fazem parte do cotidiano do personagem, ocorre a fusão entre ser humano e objeto. Como explica Schwartz, o uso da metonímia para descrever a mulher amada ocorre como um processo de reificação e , conseqüentemente, de erotização do personagem, exprimindo uma visão degradada do mundo no qual a “relação de troca petrifica qualquer possibilidade de ‘humanização’ do individuo, reduzindo-o a um mero objeto” .
Então, o trabalho da memória é difundir o elemento erótico do desejo, criando uma fragmentação na narrativa e , conseqüentemente, uma problemática temporal no conto . Dessa forma, não se sabe ao certo se o que está sendo narrado se passa no presente ou no passado, na “concretude do sonho” ou no “apagamanto do real” , como se pode observar na passagem abaixo:
A máquina soltava fagulhas e o apito gritava: Marialice, Marialice, Marialice. A última nota era angustiante.
- Marialice!
Foi a velha empregada que gritou e Eronides ficou sem saber se o nome brotara da garganta de Rosária ou do seu pensamento (Rubião, p.43).
Primeiramente, observa-se nesse trecho a personificação do trem que grita/apita, relacionada, segundo Schwartz , à propagação da reificação “pelo mundo circundante do narrador” que contamina mesmo os objetos ao seu redor. Em seguida, percebe-se que a esperança de encontrar aquilo que se busca (Marialice) é sucedida pela confirmação hesitante do encontro entre Eronides e Marialice , dado pelo anúncio da chegada da amada.
Portanto, a narrativa apresenta um caráter ambíguo que nos revela o estado psíquico do personagem . Ora, Eronides parece estar no limiar do real e do sonho, pois como descreve o narrador, ele não sabe ao certo se foi a empregada Rosária que gritara o nome de Marialice ou se tudo ocorrera apenas na sua imaginação. Finalmente, a chegada de Marialice parece se concretizar como uma “realidade inesperada” e Eronides sai “afobado” ao seu encontro na estação de trem. Com a chegada de Marialice o erotismo na narrativa apresenta-se de forma mais direta e o cenário da narrativa desloca-se para o microcosmo do quarto “onde as paredes conservavam a umidade dos beijos deles” e onde os namorados podem ter , finalmente, “os corpos unidos”. Dessa forma, através da fusão física com Marialice, Eronides tenta superar seu vazio, sua solidão. Mas, Marialice é um ser volátil, inconstante, que “escorre”, “desprende-se”, muda de cor como a paisagem do campo em cada estação: às vezes é “verde”, outras vezes “cinzenta”. Ora, quando, enfim, sua presença parece concretizar-se, ela entrega-se à Eronides e, outras vezes, foge de seu amado, como descreve o narrador, durante o passeio dos dois namorados em que Marialice se aborrece com Eronides:
Marialice chorava. Aos poucos acalmou-se , aceitou a flor e lhe deu um beijo rápido. Eronides avançou para abraçá-la, mas escapuliu, correndo pelo campo afora. Mais adiante tropeçou a caiu [sic]. Ele segurou-a no chão, enquanto Marialice resistia, puxando-lhe os cabelos. A paz não tardou a retornar, porque neles o amor se nutria da luta e do desespero [grifos nossos] (Rubião, p. 45).
Ora, parece que é exatamente essa inconstância de Marialice que produz o tempero erótico entre os dois namorados, mistura de amor e sadismo, pois como define o narrador a relação entre os dois personagens é alimentada da “luta” e do “desespero”.
1.2 Amor e incomunicabilidade
E interessante observar que a mulher nos contos de Murilo Rubião recebe ,na maioria das vezes, uma conotação negativa. Ora, a figura feminina é a fonte de desejo e de plenitude do homem, mas também a causa de sua perdição, como , por exemplo, no conto “Bárbara”, em que o personagem-narrador se submete à todos os desejos absurdos de sua mulher, ou , ainda, no conto “Os Dragões”, em que um dos dragões, Odorico, acaba morrendo por envolver-se com uma mulher casada.
Então, observa-se que a saída para a carência e a angústia dos personagens masculinos é a procura do outro, ou seja, da mulher. Porém, constata-se que a relação de troca entre os personagens nunca leva à um desfecho feliz. Ao contrário, devido à incomunicabilidade entre os personagens , como é o caso do conto “A flor de vidro”, o amor parece ser fadado ao fracasso, à esterilidade. Essa incomunicabilidade está representada no texto através dos espaços em branco deixando em suspensão a narrativa mas, também, pelo próprio diálogo entre os dois namorados. Pois, Eronides expressa fisicamente seus sentimentos apertando Marialice nos braços, “beijando-a por longo tempo” e , cria ilusões de que ela “viera para sempre” mas, ao mesmo tempo, parece dissimular sua ânsia de plenitude, como confirma esta passagem : “Horas depois (as paredes conservavam a umidade dos beijos deles), indagou o que fizera na sua ausência. Preferiu responder à sua maneira: -Ontem pensei muito em você” (Rubião, p.44). Ora, essa resposta lacônica de Eronides ilustra exatamente essa falta de comunicação, esse dizer e , ao mesmo tempo, não dizer.
1.3 Desvendando o enigma da flor de vidro: solidão e mutilação
A narrativa ganha uma carga dramática durante o passeio dos dois namorados pelo campo, pois Eronides fica aterrorizado ao pensar ter “divisado a flor de vidro”que aparece como prenúncio da partida de Marialice. Eronides compreende, então, que sua sensação de plenitude é tão efêmera quanto a própria figura de Marialice.
No fim das férias, Marialice parte novamente e Eronides vai acompanhá-la à estação “debaixo de [um] tremendo aguaceiro”. Assim, o narrador descreve a angústia do personagem diante da partida da amada , pois logo que “o trem se pôs em movimento, a presença da flor de vidro revelou-se imediatamente”. Os olhos de Eronides, então “turvaram e um apelo rouco desprendeu-se dos seus lábios”. Porém, como resposta ao apelo de Eronides houve apenas a imagem do “lenço branco, sacudido da janela”. E, então, ele compreende que está condenado à uma “irreparável solidão”.
Logo, analisando o sentido da metáfora da flor de vidro percebe-se sua dualidade semântica. Primeiramente, a flor pode ser associada ao símbolo do amor e do estado edênico do ser , já o vidro remete ao que é frágil e quebrável, ou seja, o amor, a relação humana. Ainda, através de uma leitura psico-crítica, pode-se dizer que a flor representa o phalus , ou seja, o órgão masculino. Dessa forma, o símbolo da flor conjugado ao vidro remete à idéia de estilhaço e, conseqüentemente, de mutilação (ou castração). Logo, a metáfora da flor de vidro representa , simultâneamente, a pulsão sexual do personagem e a sua castração simbólica, pois, no fim do conto, apos Marialice ter exclamado num momento de raiva: “-Tomara que um galho lhe fure os olhos, diabo!”, Eronides tem os olhos perfurados por um galho . Ora, esse acontecimento trágico nos remete à figura de Edipo, retomada por Freud no seu ensaio sobre o estranho (ou unheimlich que em alemão significa aquilo que não é familiar). Segundo Freud, o estranho ocorre quando uma situação reporta o indivíduo à um medo da infância recalcado. Dessa forma, o psicanalista associa o medo de perder a vista à angústia da castração . Como confirma a citação abaixo:
L’étude des rêves, des fantasmes et des mythes nous a ensuite appris que l’angoisse de perdre ses yeux, l’angoisse de devenir aveugle est bien souvent un substitut de l’angoisse de castration. Même l’auto-aveuglement du criminel mythique Œdipe n’est qu’une atténuation de la peine de castration qui eût été la seule adéquate selon la loi du talion [grifo nosso]. (Freud, 1919, p.231).
A figura mítica de Edipo serve como um exemplo pertinente para os estudos de Freud sobre a angústia. Ora, conforme a lei do Talião, mencionada acima, o criminoso deveria ser punido com o mesmo instrumento utilizado no crime . Logo, Edipo deveria ter sido castrado, pois seu crime foi ter cometido o incesto. A mutilação de seus olhos é, portanto, um atenuação do que deveria ter sido a sua punição.
Ainda, levando em consideração os estudos freudianos sobre o insconsciente, pode-se considerar que o elemento erótico na narrativa expressa a pulsão sexual do ser humano, ligada à vida e à morte. Essa pulsão inata ao homem, é representada na mitologia grega pela figura de Eros, deus do amor e por Tanatos personificação da morte . Seguindo essa idéia, é pertinente atentarmos para a semelhança do nome do personagem com o nome do deus grego: Ero(nide)s .
Portanto, a relação entre a vida e a morte (pulsão sexual e castração) pode ser associada ao olhar agnóstico de Murilo Rubião, para quem toda relação entre os homens é estéril, fadada ao fracasso e a dor. Aliás, a auto-mutilação parece ser um elemento recorrente nos contos murilianos, servindo como tentativa dos personagens de libertarem-se de suas prisões interiores, como se observa em “O ex-mágico da Taberna Minhota” em que o personagem diante à monotonia de sua vida, tenta , inutilmente, cortar suas próprias mãos.
2. A condenação do “homem/uroboro” à inútil busca de plenitude
2.1 A idéia de enclausuramento final
Portanto, observa-se que para Murilo Rubião o homem esta condenado à solidão. Apesar da tentativa do personagem de livrar-se desse enclausuramento através da procura do outro, ele acaba percebendo a sua condição absurda, como sugere não so a narrativa, através de sua ambigüidade e circularidade, mas também a imagem labiríntica do trem , que traz e leva embora Marialice. Aliás, como observa o crítico literário Schwartz, essa situação labiríntica na qual se encontram os personagens murilianos remete ao ensaio de Camus, Mito de Sísifo , pois mostra , exatamente, que todo o esforço humano é em vão. Além disso, os personagens murilianos lembram a figura epigráfica do mythos da Torre de Babel , como no Conto “O edifício”, em que o homem quer se igualar a Deus , mas acaba se dando conta da sua condição paradoxal entre poder e impotência. Schwartz evoca também a figura mítica do Uroboro , imagem da cobra que come sua própria cauda , representando essa circularidade na qual está inserido o homem da narrativa fantástica muriliana.
2.2 O papel da circularidade e da ambigüidade na narrativa fantástica moderna
Dessa forma, a ambigüidade na narrativa funciona como um elemento fantástico e absurdo , remetendo à propria idéia de circularidade na qual esta inserido o homem/uroboro. Nesse ponto , podemos, então, dirscordar do crítico Todorov que classifica o gênero fantástico exatamente através da ambigüidade. Para ele, a ambigüidade que surge da dúvida e da hesitação diante um fenômeno insólito serve como forma de distinguir o real do irreal estabelecendo a verossimilhança interna.
Contudo, no fantástico moderno, a ambigüidade e o paradoxo estão presentes na narrativa, não para criar uma dualidade de sentidos, mas para combinar (ir)real, (ir)racional e (im)possível. No aqui estudado, observa-se exatamente esse jogo paradoxal, que deixa espaço para várias interpretações da estória. Isso ocorre , por exemplo, na descrição do personagem Eronides no momento da chegada de Marialice , em que ele coloca uma venda negra na vista inutilizada e passa a navalha “no resto do cabelo que lhe rodeava a cabeça” (Rubião, p.43). Antes de ser narrado, portanto, o acontecimento da perfuração dos olhos, Eronides já se encontra com a vista inutilizada. Porém, contraditoriamente, após a noite de amor entre os personagens, Eronides acorda “vagando ainda nos limites do sonho” e depara-se no espelho com uma outra imagem de si: ele havia encontrado os “cabelos antigos” e, ainda “brilhava-se os olhos e a venda negra desaparecera”.
A contradição da narrativa é, portanto, intencional , ela é utilizada como artifício ficcional para despertar no leitor exatamente a sensação de que a vida é absurda. Como afirma o próprio Murilo Rubião numa entrevista: “Nunca me preocupei em dar um final aos meus contos. Usando a ambigüidade como meio ficcional, procuro fragmentar minhas estórias ao máximo, para dar ao leitor a certeza de que elas prosseguirão indefinidamente, numa indestrutível repetição cíclica”(Rubião, 1970). Aliás, a ambigüidade também parece ser um elemento fantástico recorrente em outros escritores do gênero , como o escritor argentino Borges. Por exemplo, em seu conto “Tlön Uqbar Orbis Tertius” o tempo da narrativa torna-se flexível, maleável, propondo um jogo entre verossimilhança e inverossimilhança que “permettrait à peu de lecteurs – à très peu de lecteurs – de deviner une réalité atroce ou banale” (BORGES,P.35). Assim, a ambigüidade na narrativa fantástica revela dois níveis de leitura: um ficcional e, o outro ideológico, pois a intenção do gênero fantástico moderno não é mais provocar emoções , tais como o frisson e o horror no leitor, como propunha o fantástico do século XIX , mas “fazer coexistirem, através do artifício verbal, realidades de praxe incompatíveis, que fazem com que o leitor ultrapasse o nível ingênuo da leitura, levando-o a uma visão conotativa do texto” (Schwartz, P.69). Portanto, além de contribuir no jogo ficcional, a ambigüidade trasmite uma mensagem ideológica ao propor ao leitor a relativização de tudo o que é imposto como verdade, cabendo ao próprio leitor, ao longo de sua leitura, criar a ordem da narrativa e sua verossimilhança interna.
2.3 O prenúncio do tema do absurdo através da epígrafe
A epígrafe do conto funciona como diretriz do tema do absurdo do amor-incomunicabilidade : “E haverá um dia conhecido do Senhor que não será dia nem noite, e na tarde desse dia aparecerá a luz [grifo nosso]”-Zacarias, XIV,7. Observa-se que a narrativa possui um tom profético, dado pelos verbos no futuro: “haverá”, “aparecerá”, que segundo Schwartz trazem uma carga semântica de esperança ao texto. Além disso, contrariamente à noite e ao escuro que remetem às trevas, a “luz” que aparece na tarde do dia anunciado também remete à esperança de encontrar aquilo que se busca.
Logo, a epígrafe inicia , através da oposição entre os tons transparente e opaco (“luz” e “noite”) , um jogo de palavras que expressa, na narrativa, o estado de espírito do personagem e o contra-senso de sua existência. De um lado , encontra-se a claridade representada pela cor alva das paredes do casarão comparadas ao sorriso de Marialice e , do sol que “brilhava intenso” durante o passeio dos dois namorados. Do outro lado, encontra-se o tom acinzentado do tempo chuvoso que se relaciona com as lágrimas nos olhos de Eronides, que “se turvaram” no momento em que o trem, no qual partia Marialice, se colocava em movimento, como confirma a passagem à seguir:
O final das férias coincidiu com as últimas chuvas. Debaixo de tremendo aguaceiro, Eronides levou-a à estação. Quando o trem se pôs em movimento, a presença da flor de vidro revelou-se imediatamente. Os seus olhos se turvaram e um apelo rouco desprendeu-se dos seus lábios (Rubião, P. 45).
Assim, o tom opaco sugerido através do tempo (no sentido metereológico) associa-se à inquietação de espírito de Eronides ao ver sua amada partir e à consciência do personagem de sua condição absurda.
Portanto, como explica Schwartz, as epígrafes presentes nos contos murilianos inseridas no contexto do conto, ganham um sentido às avessas. Como vimos ao longo da análise do conto, a esperança de Eronides reverte-se em desilusão e numa total impotência em combater sua solidão e conseguir trazer definitivamente o ser amado para perto de si.
Conclusão
Percebe-se, portanto, que o personagem busca através da figura feminina liberar-se de sua prisão interior e combater sua solidão. Mas, o personagem acaba por se dar conta que esta condenado à solidão. Além disso, a mulher aparece no conto como um ser tão inconstante quanto a própria relação humana. Aliás, como se pode observar, Murilo Rubião expressa sua total descrença nas relações humanas através da reificação de Marialice e da castração simbólica de Eronides, representando a esterilidade e a total impossibilidade da salvação pelo outro.
Observa-se, ainda, que essa condição absurda do ser humano é expressa tanto através da circularidade e da ambigüidade da narrativa quanto da imagem do trem que leva e traz Marialice. Essa ambigüidade serve como artifício ficcional para despertar no leitor a sensação de absurdez diante à vida, mas , também, como elemento fantástico, sugerindo uma leitura no sentido conotativo, levando-o , assim, à uma intepretação pessoal do conto.
Por fim, constata-se que a epígrafe introduz o tema do absurdo, fazendo com que a esperança inicial reverta-se em desilusão, não só à partir de seu tom profético como da da oposição cromática entre a transparência e a opacidade freqüente na narrativa do conto.
Bibliografia
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Chevalier Jean. Chevalier. Dictionnaire des symboles. Parisd : Laffont. 1996.
Dias Maria Heloisa Martins. “Acertando os ponteiros do ‘relogio’ artístico: perda ou recuperação da memoria?”. In Espéculo numéro 31, 2005/2006.
Freud Sigmund. « L’inquiétante étrangeté. In : L’inquiétante étrangeté. Paris : Gallimard. 1985.
Todorov Tzvetan. Introduction à la littérature fantastique. [s.l] Editions du Seuil, 1970.
Schwartz Jorge. A poética do uroboro. São Paulo: Atica. 1981.
Schwartz Jorge. “A ferida exposta de Murilo Rubião”. Minas Gerais: Suplemento Literário.07 de fevereiro de 1987.
Zagury Eliane. Murilo Rubião: “O contista do absurdo”. Minas Gerais: Suplemento Literário. 19 outubro 1974.
Nossa, esta análise me ajudou muito!
ResponderExcluirFico feliz em poder ter ajudado:) Ja faz tanto tempo que escrevi essa analise, rs. Mas, Murilo Rubiao e um autor inesquecivel...
ResponderExcluirImpossível agradecer sufivientemente pela ajuda. Ótima análise, espero encontrar mais trabalhos como esse. De qualquer forma, obrigado!
ResponderExcluirSempre é bom poder ajudar os outros. Principalment quando compartilhamos interesses em comum;) Viva a literature e viva a cultura!
ResponderExcluirForte abraço José Vitor Freitas!