29 de set. de 2014

Comida: droga ou arte?

O jornal semanal francês Courrier International acabou de lançar uma edição especial sobre o  sucesso global da culinária, entitulada "La vague gourmande" (A onda da gula em português). Num dos artigos publicados nessa edição, o autor aborda um movimento ligado à gastronomia  que se chama fooding. Esse termo é um neologismo criado para definir um movimento ou comportamento dos professionais da culinária e amadores da boa cozinha. Segundo o site Lexique de l'Alimentation et de la Santé, essa nova palavra é uma contração da palavras inglesas: food (alimento em português) e da palavra feeling (sentimento em português). O movimento fooding, criado em 1999, pelo francês e jornalista culinário Alexandre Cammas, tem o objetivo de exaltar a liberdade do universo gastronômico. Esse movimento regrupa diversas correntes tais como: world food, fusion food, easy eating, street food.[1]    Existe  uma certa relação espiritual entre os amadores da boa cozinha e a comida.

Na França,país conhecido pela sua cozinha refinada, esse fenômeno conquistou todas as classes sociais - basta observar o sucesso incontestável dos programas de reality show dedicados à esse tema como Top chef ou Un dinner presque parfait. Além da televisão, as editoras também investem cada vez mais em publicações de livros de receitas e guias franceses famosos, tais como Michelin ou  Fooding. Na internet também afloram guias sobre o assunto. Por exemplo, o guia online Le fooding (fonte: http://lefooding.com/fr) indica os melhores restaurantes e hotéis franceses.

E interessante observar que alguns amadores da boa cozinha  (l'art de la table em francês) consideram a culinária como uma arte tão elevada quanto o teatro, a literatura ou a música. Com efeito, pode-se dizer que, bem como as outras artes desenvolvem os sentidos, a culinária desenvolve não somente o paladar, mas também o olfato e a visão. E importante ressaltar que em 2012, entre os dez best-sellers do site inglês Amazon cinco eram livros de culinária, entre os quais se destaca o livro Nigellissima que destronou o livro erótico Cinquenta tonalidades de cinza. Esse fato nos leva a questionar se para alguns a comida não seria tão bom quanto o sexo...

O movimento do fooding talvez reflita uma característica hedonística da sociedade contemporânea, ou seja, a sociedade moderna estaria voltada para a busca do prazer como bem supremo. Nesse sentido, o ato de comer estaria relacionado com os mesmos fins buscados pelo sexo ou e pelo uso de drogas. Aliás, cabe perguntar: tal comportamento deveria ser visto de forma negativa ou positiva? Seria a comida a nova droga do século XXI? 


Do ponto de vista estroicista que prega o auto-controle e condena todos os tipos de excesso,  importância dos prazeres gastronômicos para a sociedade atual pode ser considerado negativo. Com efeito, esse comportamento remete  à um dos sete pecados capitais: gula, ou seja uma vontade incontrolável de comer, o que pode ser considerado como uma fraqueza do ser. Aliás, esse tema serve como fonte de inspiração para diversos escritores. Por exemplo, o escritor brasileiro Luis Fernado Verissimo aborda o assunto de forma irônica em seu livro O clube dos anjos.  Neste livro o autor ironiza o desejo incontrolável de comer dos personagens que conscientemente optam por esse prazer efêmero mesmo sabendo que estão sendo pouco a pouco envenenados. Sim, a comida pode servir como uma droga, quando consumida de forma bulímica ou como substituta às carências afetivas de alguns. Porém, observa-se que para os adeptos do fooding se alimentar não significa somente consumir as calorias necessárias para a sobrevivência, mas sim degustar um bom prato assim como um poeta se alimenta das palavras. Nesse sentido, comer tornou-se um ritual que se pratica geralmente em grupo como uma forma de compartilhamento. O importante para essas pessoas  é aproveitar do momento presente  entre amigos (carpe diem). 


Pessoalmente, eu acredito que o sentido de apreciar uma boa comida é de "viajar". Em cada garfada podemos aguçar nossas papilas gustativas e nos deixar transportar para outros mundos. Assim, podemos descobrir outras culturas e outros hábitos alimentares através da gatronomia... Outro elemento importante é a consciência de alimentar-se bem, consumir produtos frescos, não industrializados e que possuem poderes curativos. Para mim, as pessoas que aderem ao fooding buscam um certo "savoir-vivre", um estilo equilibrado entre o prazer espiritual e corporal.

Enfim, essa importância da culinária é reforçada pela valorização do trabalho manual feito por si mesmo (do it your self ou DIY). Nesse sentido, cozinhar torna-se sim uma arte, pois demanda criatividade e inspiração. Aliás, quem nunca publicou fotos no Instagram ou no Facebook daquele prato bacana que preparou e do qual ficou orgulhoso?


Um clic e bon appétit!



Guide-fooding-2014

[1] Fooding : Contraction du mot food (nourriture en anglais) et feeling (ressenti en anglais), le fooding, inventé en 1999 par le français Alexandre Cammas, alors journaliste et chroniqueur culinaire à Nova Magazine, est la marque de guides édités en partenariat avec Nova, Libération, et depuis 2007 Le Nouvel Observateur et d'événements gastronomiques tels que La Semaine du Fooding, la Grand Fooding d'été.... L'objectif du Bureau du Fooding est de se défaire des conventions traditionnelles de la cuisine pour donner la possibilité aux chefs de s'émanciper plus librement, selon eux. Il n'exclut aucun courant gastronomique, comme la world food, la fusion food, le easy eating, la street food, la « bistronomie »... (Fonte : http://www.lexique-alimentation-sante.com/Definition/Fooding)



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